sexta-feira, 17 de junho de 2011

Por que?

por que a dor alheia não inflige também naqueles que nada sentem?


por que a crueldade não contempla a todos?


por que a bondade é generosa a poucos?


por que a sorte escolhe alguns?


por que uns pedaços de papel tem valor e outros não?


por que a palavra de alguns valem mais?


por que pelo modo de se vestir as pessoas são tratadas diferente?


por que uns ainda matam os outros?


por que poucos se perguntam?


por que poucos se preocupam?


por que?

por que?

quinta-feira, 16 de junho de 2011

hoje a bolsa subiu três pontos, apesar da queda de Nova Iorque




Altas taxas de inflação
informações privilegiadas
empresas nacionais
capitais estrangeiros
fundamentos de mercado
deventuris
obscuridade da lei

Qual a saída?
Se o país precisa de capitais.
Títulos negociados
..................................no estrangeiro
para o desenvolvimento
do país?
das empresas?
da pornografia estrangeira?


Capital autorizado:


Mercado de capitais


vende-se papel
que não tem valor
que não tem valor
que não tem valor
que não tem valor
que não tem valor
que não tem valor
que não tem valor
vende-se a alma
que não tem valor
que não tem valor
que não tem valor
que não tem valor
que não tem valor
que não tem valor

Almoçando




Na pausa do almoço, a Poesia me contou um segredo: 'não gosto de sonetos'. Ora, eu ali em frente a ela não pude acreditar! Mas sonetos são tão bonitos!!!!- disse. Apesar das exclamações, ela não se deixou convencer. Não gostava de sonetos e era irredutível. Fazia Ela se parecer com sua vó, dizia amargamente. Essa obrigação de faze-los aumentava a sua raiva. Ninguém queria ver a sua mais nova invenção, talvez uns versos soltos... por que catorze? Talvez tantas estrofes quanto ela achasse necessária ou bonito. Os penteados dos Sonetos deixam a Poesia mais velha, mais madura. Só atraem leitores mais velhos, sérios, prontos para o casamento. Mas Ela não quer homens para casar. Ela quer conhecer meninos novos, aventureiros. Quer experimentar drogas novas, com garotos despreocupados. Quer se lida por leitores sem pudor, quer ser lida vorazmente. Quer a apreciação de meninas que decididas, independentes. Ela quer ser lida em qualquer lugar (porque há lugares que os Sonetos não entram) - eles são metidos - só gostam de lugares elegantes, com pompas, com recepção formal, talheres de prata, regalias para convidados. A Poesia gosta de ir a botecos, qualquer um, beber cerveja (nada de champagne) e comer a carne assada que está a três dias na estufa do bar. Isso tudo sem se preocupar. Ela quer estar no pagode, no samba, em todas as rodas. E não nas mesas de luxo, das conversas da madame. Uma mesa na calçada, com cadeiras de ferro - e basta.


A Poesia só quer ser simples, só quer estar com o povo. Este precisa da sua companhia. Aos burgueses que gostam de ostentar lindos Sonetos, meus pesames, ela não quer estar com vocês. Seus dinheiros, joias e carros não a encantam. Só ilude algumas de suas irmãs e primas que vão se vendendo por aí... Mas ela continua firme, almoçando comigo - um zéninguém - nesse restaurante sujo, a companhia de baratas e ratos, onde no fim todos tentam ser felizes.


Ela poderia estar num lugar melhor - mas eu não gosto de sonetos - ela repetiu.
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sábado, 4 de junho de 2011

Um bom patrão

Hoje é dia do pagamento. Um dos poucos em que Jaime sente prazer de ir ao trabalho. Um dos poucos momentos em que se sente estimulado a trabalhar. O dia, como tinha que ser, passa arrastado. Porém, logo depois do almoço, o patrão lhe chama. Jaime treme de medo. Lembra que o dia do pagamento é também o dia da dispensa. Jaime se arruma. Ajeita-se, bota a camisa para dentro e lava o rosto. Enquanto a água escorre pelo seu rosto pensa o quanto está velho e nem percebera. Com as pernas tremendo vai corajosamente a caminho da sala do patrão. Ao bater na porta, entra e senta a convite do chefe. Apertando uma mão na outra para esconder o nervosismo, escuta a palavra sem prestar muita atenção. Imagina-se desempregado. Pior: imagina-se contando a notícia para a esposa. Tinha acabado de comprar uma geladeira nova em prestações e não teria mais como pagá-la. Quando volta a sia ( a esposa e a geladeira ficando para atrás), sentando de frente para o patrão, este agora sorrindo e estendendo-lhe a mão, Jaime nada entende. O patrão lhe parabeniza novamente. Entrega o envelope ( sim! o pagamento!) e diz que já está liberado para ir para a casa. A ordem era simples: descansar. Mas que patrão bom! Mas que patrão gentil e bondoso! Jaime se castiga ao pensar que seu chefe iria demiti-lo. Agradece e ao mesmo tempo perde perdão aos céus, primeiro pelo seu patrão bom, segundo pelo seu pecado em culpa-lo com preconceitos. Arruma-se rápido e vai embora. Tenta ir desapercebido para não provocar a inveja de seus companheiros de tabalho. Já na rua, distrai-se andando pensando em que fazer com o salário. Vai imaginado a sua relação com o patrão. Pensa em convida-lo para um churrasco, simples porém saboroso churrasco em sua casa. Imagina ganhando uma promoção e um novo patamar de vida. Porém, um estranho o interrompe e se apresenta oferecendo seus serviços de engraxate. Sorridente já vai botando o pé de Jaime, chamando-lhe de patrão, na sua ferramenta de trabalho e dizendo como estava sujo aquele sapato. Jaime recua. Não tinha pensado em gastar seu dinheiro com sapatos. Ainda mais para limpar um que estava velho e sujo. O rapaz interpela novamente: E aí patrão, posso fazer o serviço? - colocando novamente o pé do cliente na caixa. Jaime recua novamente. Reflete um pouco e pensa que estava sendo um péssimo patrão. Ora, tinha acabado de ser super bem tratado pelo seu chefe e quando o destinho lhe dá a oportunidade de fazer o mesmo, acaba sendo perverso e mau. Pensa que tem que ser igualmente bom com aquele seu - provisoriamente - subordinado. Ele rir e diz: Olha hoje é dia de pagamento e o seu patrão gosta de um trabalho bem feito! Capricha! - e pôs novamente, agora por vontade prórpria, o pé na caixa. Enquanto o seu sapato é escovado, ele pensa o quanto que deveria pagar pelo serviço. Como queria ser bem bondoso, pensou até mesmo em pagar 10 reais. Mas essa ideia durou poucos segundos. Lembrou que havia algumas moedas no seu bolso. Talvez 5 reais mais esses trocados seria uma eterna gentileza. Em menos de 10 minutos o engraxate, agora sem sorrisos, encerrou seu serviço. Argumentando que o sapato estava imundo, cobrou a quantia de 50 reais pela quantidade de graxa que utilizou e também por todo o seu esforço. Jaime achou um absurdo e uma afronta! Na verdade o serviço deveria custar no máximo 5 reais. Irrita-se e argumenta com o engraxate que se mostra irredutível. Este, por sua vez, diz que o serviço já está feito e que este é o preço. Sem saída, ele tira a nota de 50 do bolso e dá ao engraxate que vira e vai se embora. Nem um obrigado o seu empregado lhe dá. Imagina-se sendo um péssimo patrão. Um frouxo que não consegue nem dar ordem a seu subordinado. No máximo deveria pagar 5 reais por esse serviço. Olha para seu sapato. De fato, está limpo. Foi bom o serviço. Mas 50 reais? Era um preço caro demais.

domingo, 29 de maio de 2011

nessa tentativa
de sempre mensurar
tudo

sempre pergunto:
quanto custaria
um único
sorriso
de uma única
criança
?

sábado, 14 de maio de 2011

Piscar os olhos pode ser perigoso

Piscar os olhos pode ser perigoso. Em alguns momentos tudo pode mudar com um simples piscar dos olhos. As pálpebras pesam por um instante - um curto instante - e você já não tem controle sobre o mundo (que você achava ter). Num piscar de olhos e você já está na Central do Brasil. Em um piscar de olhos e você já perdeu o ponto do onibus. Num outro: e o mundo já não é o mesmo. Do outro lado, tudo desaba. No meio, zombam dos reis. E do seu lado, a miséria não poupa ninguém. Só por causa de uns segundos de distração - e sono - os olhos fecham e quando voltam já não é o mesmo mundo que se vê.

PS: Amigo, em caso de dor, não adianta - apesar de insistir - fechar os seus olhos. Porque a dor vem de dentro. A dor não se vê, se sente. Em um piscar de olhos, um ato egoista onde você só vê - e sente - a sua dor, o mundo irá mudar mas você será o mesmo, igualmente com sua dor, somente a sua dor. Sua dor, sua única e exclusiva dor.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O operário em Construção

De Vinícius de Moraes



E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

terça-feira, 5 de abril de 2011

A morte que lhe bate a porta (vizinha)

Olhe para teu relógio
Não importa a hora
Perdemos um jovem
exatamente agora

Olhe novamente
Mais uma vez
o perdemos
será um deliquente

A cada segundo
perdemos gente demais
nesse mundo

A cada minuto
já se passou muito tempo
para muitos

e você lendo
este poema
não tem a ideia
da fome
da miséria

Longe dessa tela
Longe desse papel
há gente morrendo
(que poderia ser médico)
há gente com fome
(que poderia ser cozinheiro)
há gente rezando
(que poderia ser atendido)

E eu escrevendo
não faço nada
e você lendo
não faz nada
E no final
todos escrevem
todos lêem
E ninguém faz nada

E continuam morrendo
quem poderia ser
quem queria ser
quem morre
por não querer.

sábado, 2 de abril de 2011

Eles, os preguiçosos

Se eu soubesse como seria a vida adulta, não teria nenhuma pressa em crescer. Tenho saudades do tempo em que a minha única preocupação era não deixar o balão de gás hélio sair voando por aí, até perdê-lo de vista. Segurá-lo era a minha única e exclusiva preocupação. A minha ignorância era totalmente plausível e até, de certo modo, estimulada. O mundo inteiro cabia no meu quarto. Os gritos lá fora, na qual a janela alta não me deixava ver - somente escutar - não me pertubavam. Não via os jornais. Não lia as revistas. Só via as gravuras, que não me diziam muitas coisas. Se um homem morria, não me importava. Se um homem era preso, não ligava. Se alguem estragava sua vida com drogas - não existia crack na época - não entendia. No caminho da escola, pensava que os homens da rua ( que depois fui aprender que eram "de rua") estavam lá por opção. Um breve descanso na calçada. Talvez para se proteger do sol ou então de qualquer só pra passar o tempo. Só ficava triste quando o biscoito da merenda do dia era ruim. Não imaginava que existia gente no mundo que passava fome. Olha, com tanta comida na minha casa, por que faltaria na casa dos outros? As favelas, para mim tão distantes, eram lindas. Principalmente à noite, pois pareciam que as luzes daquelas casas eram as primeiras estrelas a inaugurarem no céu. Na verdade, eu não sabia o valor do dinheiro. Via até uma certa facilidade, de somente ir ao banco - a fila era o único obstáculo - e sacar o dinheiro para ser gasto. Achava que qualquer um poderia fazer isso e aqueles que ficavam lá fora - de novo os homens da rua - tinham preguiça em enfrentar as longas filhas. Igualmente os meninos que faziam malabarismo no sinal. Em vez de gastarem seu tempo na fila para pegar o dinheiro, preferiam ficar no curto tempo da luz vermelha para pedir. Por pura diversão eles passavam a tarde. Eu os inveja, pois enquanto eu era obrigado ir à escola, eles tinham todo o tempo disponível para brincar. Naquele tempo, acreditava na ressurreição dos mortos e na vida eterna. Porém, eu já achava que morava num paraíso e não precisaria mudar nada. Não entendia porque precisava morrer para ir ao paraíso. Os que reclamavam, eu os considerava preguiçosos. "Olha lá, os preguiçosos." E num piscar de olhos eu cresci e percebi: não era por preguiça. Só achei engraçado depois que muitos, mesmo com cabelos grisalhos, continuam esbravando como crianças: "aqueles vagabundos, aqueles preguiçosos." Parece que para estes, apesar da altura, ainda não conseguem enxergar pela janela de seus quartos e perceber o mundo lá fora e ver que tudo que essa gente quer é um pouco de dignidade. Não é muito. Só dignidade. 

segunda-feira, 14 de março de 2011

Do outro lado





Apesar de sempre negarmos
do outro lado do mundo
A realidade
e a natureza
nos mostra
nos faz enxergar
que sempre fomos iguais.

domingo, 13 de março de 2011

Somente para os bem aventurados

aos bens aventurados, eu vos peço



Dai-nos Barrabás



deus planeja comigo meu próximo pecado. Os fieis do outro lado da igreja nos espiam com inveja. Um pergunta ao outro baixinho (como são as conversas nas missas) qual deveria ser o assunto, o que deveria ser tão importante, por que eu e não eles - várias questões, várias perguntas inquietavam aqueles fiéis do outro lado da nave rezando o terço. No meio das 'aves-marias' deus me explica seu plano, como deveria ser, como eu deveria proVisualizar ceder. Achei estranho ele não prestar atenção na prece das senhoras que rezavam o terço - algumas tudo bem, fofocavam - mas outras rezavam penosamente, ajoelhadas. Ele não ligava. Quando indagado por mim, somente me fitou apreensivo como se eu o atrapalhasse a sua explicação. Simplesmente ignorou e voltou a me dar as orientações. No fim saí da igreja rumo a minha casa. Um menino me pede alguns centavos, qualquer moeda servia: cinco, dez, vinte e cinco centavos estariam suficientes para ele. De primeira o rejeitei. Ele insistiu. Do outro lado da rua, outro jovem nos observava. Calmo e atento assistia os meus gestos e a atitude do outro menino.


Em verdade te digo que esta noite, antes que o galo cante me negarás três vezes
O Homem não percebeu a minha observação no primeiro momento. O menino sugava e concentrava toda a sua atenção. Só por um momento que ele passou os olhos em mim, mas com a aparência de sem importancia. Recusou uma, duas, três vezes o jovem que lhe amoestava. Suplicava qualquer moeda e o Homem de fato deixara as últimas na igreja e só tinha notas altas na carteira. Olhou o menino calmamente. Pensou - ele não merece essas notas. Ficou meio receoso e talvez por medo ou por impaciência sacou (mesmo arrependido) a nota e deu ao menino que saiu feliz, pulando como se tivesse conquistado o mais lindo prémio - e talvez realmente tivera. Continuou sua caminhada mas desta vez não foi de uma forma tranquila. O menino lhe tirou a calma e a preocupação ocupava a sua cabeça. Por que foi dar a maldita nota ao moleque - pensava.

Perdoai-vos, eles não sabem o que fazem

O leitor deve estar se perguntando onde eu quero chegar com esse texto, com essas palavras. Pertubam-me! Mas ninguém se atreve a questionar os evangelistas! Por que Mateus? João? Marcos? Por que não eu, pobre favelado? Porque sou incapaz de escrever palavras santas, escritas a suor e sangue para o meu povo. E este porém, ingrato como deveria ser, carrega debaixo do seu braço aquele que pensa ou acredita que irá lhe salvar. E o pão de cada dia não cai do céu. E o vosso reino só mostra dor e ilusão. E a vossa vontade mostra-se cada vez mais severa. E as nossas ofensas nunca parecem ser perdoadas de forma gratuita. E a tentação sempre vence, trazendo os vicios e as incertezas. E o mal toma conta das nossas vidas. Por fim, longe do amém, nesse inferno só há dor e desilusão.

Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos Céus!

Os jovens rezam. Rezam. Suplicam. Ajoelhados fazem preces pelos irmãos, primos, companheiros que estão presos, perdidos no tráfico, sumidos, com fome e por últimos aos que já se foram. Eles estão ali. De joelhos. Rezando. Agradecem por terem sobrevivido. Agradecem pelo emprego de servente de obra, pintor (por conta própria), catador de lixo (papelão e latinha), camelô (de cd falsificado), ambulante do ônibus (de bala e chiclete, para distrair a viagem) e malabaristade sinal (jogando pedras e limões). Enaltacem! Agradecem! Pedem outra vida (que vida?). A igreja está cheia. Vai começar o culto ou a missa (tanto faz). Agora é hora de coletivizar os seus problemas. Só o padre ou o pastor que fala. Você só escuta. O choro é livre. Você só escuta. Esse lugar que enaltece a riqueza não é para os que vivem felizes. É para os que sofrem e querem rezar, por não ter outra saída. E você só escuta. Por só ter essa saída. E você só escuta.E num lapso de distração - pensando nas contas a pagar - já se perdeu no sermão. Mais uma coisa para depois, no meio das orações, ter que pedir perdão. Pois por enquanto, você só escuta.

Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia!

Mas no dia de segunda não há perdão. Deus se mostra distante, quase esquecido. O sol quente exalando, parecendo que está sugando o suor, se mostra presente mais uma vez. Parecendo desafiar - será que aguenta mais um dia nesse trabalho, seu merda? - e não dá tregua. Enquanto isso, executivos de terno e gravata passam. De 18°C à 40°C em segundos. Mas logo eles voltam a sua realidade em clima de montanha. Ele observa, tenta vender uma bala para um homem alto e com cara de ocupado, porém o celular impede. Do outro lado, seu irmão distribui papéis de "Compro Ouro" (enquanto ele só quer comprar um pão) e as gravatas o ignoram. O calor se mostra insuporável. O trabalho nem tanto. Logo o irmão se despede. Vai partir para os ônibus tentar buscar novos clientes. Enquanto o distribuidor de papel continua. Ninguém ali sonha com uma Faculdade, com bons estudos. Talvez pode até ser profissão de qualidade. Mas quem nasce a meio torturas, homicídios e terror não quer saber de medicina (tem medo de sangue) nem de direito (tem nojo de policia e juiz) nem de engenharia (após ter perdido sua casa). Gostaria de ser qualquer coisa, mas a sua filha e sua mulher não podem esperar pelo sonho do marido menino. E assim lança-se a rua a fim de ganhar a vida. Não o mundo - o mundo é demais. A fome bate à sua porta mais uma vez e ele precisa atender. Não tem como fingir que não tem ninguém.

Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados!

E voltando para a casa. Sentando na janela, o melhor lugar do ônibus - ali se sente igual a todos - com o vento na cara. Fecha os olhos. E sonha com o céu. Tem medo de abrir os olhos e ver a realidade. E as lágrimas não lavam a vida sofrida. E a realidade vem a tona.

Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra!

Onde está?
Onde está?
Onde está?

Pergunta a voz
que não lhe deixa
jamais se calar

Onde está?
Onde está?
Onde está?

Não está em casa
na sala de estar
No seu trabalho
não se encontra lá

Procura por cantos
becos e avenidas
não encontra nada
a não ser a bebida

E a realidade
vem a tona
como um soco na cara

Onde está?
Pergunta!
Onde está?
Responda!
Onde está?

E a realidade
o tortura
para que
continue a procura.

Não está na igreja
nos bordeis do centro
nem nos lixões da periferia
com os mendigos ao relento

E a realidade
com choques o tortura
Onde está?
Continua a pergunta

E a realidade
o convence
que não há ninguém

E a relidade
se impõe



Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!





No dia 29 de agosto de 1993, ocorria a maior chacina de trabalhadores que se tinha notícia. Vinte um trabalhadores foram brutalmente assassinados, entre eles estavam: 5 Metalúrgicos, 3 Gráficos, 2 Costureiras, 2 Comerciários, 1 Ferroviário, 1 Motorista, 1 Servidor Público da Saúde, 1Frentista, 1 Vigilante, 1 Pedreiro, 1 Dona de Casa, 2 Estudantes. Todos estes cidadãos tinham endereço fixo e profissão,. Não tinham nenhum envolvimento com atividades ilícitas, inclusive um deles foi morto com uma marmita nas mãos.



No dia 23 de julho de 1993 ocorria um crime que deixou revoltada a população do Rio de Janeiro, numa chacina que teve repercussão nacional e internacional. Oito meninos de rua foram assassinados nas imediações da Igreja da Candelária, um dos prédios mais conhecidos do Centro. Mais de 40 crianças dormiam na praça da igreja quando cinco homens desceram de dois carros e dispararam em sua direção. Até hoje não se sabe o que motivou a matança.

Terminou com 19 mortos e treze pessoas feridas a megaoperação realizada pela polícia nesta quarta-feira, no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio . Treze corpos foram recolhidos pela própria polícia, e outros seis foram deixados à noite numa van em frente à 22ª DP (Penha). entre os feridos, sete pessoas foram vítimas de balas perdidas, além de um policial e cinco traficantes atingidos. A operação reuniu 1.350 policiais, entre civis, militares e soldados da Força Nacional; e foi a maior realizada no complexo desde de que a polícia ocupou as favelas, no dia 2 de maio, após criminosos que seriam do Alemão terem assassinado dois policiais, em Oswaldo Cruz, também na Zona Norte.

Crianças
  • Luana da Silva, 8 anos de idade
  • Larissa Andrade da Silva, 12 anos de idade
  • Carlos Henrique Matias Vitoriano, 13 anos de idade
  • Wesley Glauco da Silva, 17 anos de idade
  • Ivo Urbano da Silva, 17 anos de idade
  • Paulo Roberto de Oliveira, 11 anos
  • Anderson de Oliveira Pereira, 13 anos
  • Marcelo Cândido de Jesus, 14 anos
  • Valdevino Miguel de Almeida, 14 anos
  • "Gambazinho", 17 anos
  • Leandro Santos da Conceição, 17 anos
  • Paulo José da Silva, 18 anos
Adultos
  • Karen Cristina Baptista Borges, 20 anos de idade
  • Valnice Alves da Silva, 27 anos de idade
  • Mônica Pinto, 30 anos de idade
  • Edvan Mariano de Sousa, 32 anos de idade
  • Arlete dos Santos, 48 anos de idade
  • Marcos Antônio Alves da Silva, 19 anos
  • Poderia ter sido você.



terça-feira, 1 de março de 2011

A morte não é assim tão má para aqueles que a adoram




Quando eu morrer
(coitado de mim)
o mundo continuará o mesmo

Os homens continuarão seus trabalhos,
talvez um ou dois
faltarão por conta da minha ausência.
Os canários,
tanto os presos
quanto os livres,
continuarão a cantar.
As plantas continuarão com a fotossíntese
e eu não farei nenhuma falta ao motorista do ônibus de todas as manhãs

Porque o mundo
nosso mundo
não precisa de nós para sobreviver
Para girar em torno do sol
a Terra
não precisou de Copérnico
A maçã não precisou de Newton
para cair
O Sol não depende de ninguém para nascer

ele simplesmente nasce
implacável

E essas coisas já existiam
antes de mim
antes de você
e vai existir para além de mim
para além de nós.

Quando eu morrer
de pó como sou
à merda voltarei
e nem as vacas
-aquelas que pastam em latifundios-
vão agradecer a mim pelo adubo ao capim doce de todas as manhãs.
porque nem sequer
o mais insignificante mato
precisa de mim para sobreviver

.
.
.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

deus está de férias




imagina você
assistir uma injustiça por dia
e não poder fazer nada

uma injustiça
.......................por dia
e ficar inerte

a cada injustiça
........................uma covardia
e ficar inerte

parados,
estáticos
como se fosse longe

e fingimos
...................por corvadia
a injustiça do nosso lado
na nossa frente
nos nossos olhos
( que apesar
de fechados
podem ver)


e não fazemos nada
por impotencia
..................................por corvadia

quando os vidros se fecham
quando o fone está no ouvido
ignorando o ambulante do ônibus
quando não há centavos
quando não olhamos pro chão
quando atravessamos a rua
por medo, por receio
(talvez preconceito)
quando mais um jovem morre...

é porque deus está de férias
e o inferno está mais perto
e ele assiste a isso tudo covardemente

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Subversiva

Jornada




Jaime pega mais um dia o trem das 6:27 na estação do Engenho de Dentro. À caminho da Central, vai esmagado e apertado, pelos seus irmãos trabalhadores. Todos indo ali, para um mesmo rumo. Apesar de ser cedo, o calor já atormenta. O longo sol, tão distante mas também tão perto, acalora o trem que vai chegando na estação do Méier. Para mais gente entrar. Menos uma - pensa - fazendo a contagem, como faz todos os dias, até chegar ao seu destino. A cada estação, menos uma. A cada estação o pensamento longe do trem. Para esquecer a dor nas pernas - que o seguram dedicadamente todos os dias - e também o calor que distribui pingos de suor pelo seu corpo. Poderia pegar o Direto, mas ele nunca consegue chegar no horário para ir até Madureira. Seu sonho sempre lhe trai. Porém ele enganava a si mesmo que a viagem direto seria mais chatas. Não haveria estações para contar, seria mais demorada. Pobre menino. Ao chegar na Central, doce destino, ainda há a amarga caminhada sob sol para economizar os luxuosos R$2,40. Mais uma coisa para ocupar sua mente e protegê-la no sol. -O que fazer com essa valiosa economia: Comprarei uma coca? Mas ainda preciso de 10 centavos... Comprarei uma cerveja? Mas ainda precisaria de 10 centavos... Comprarei um jornal? Ou não... as noticias estão caras... Juntarei para o fim de semana? Mas ainda é segunda-feira... Comprarei... ? - Jaime chega seu destino. Suado, cansado, e ainda nem começou o seu trabalho, a sua rotina. Pensa sempre em se demitir. Xingar o chefe, seus superiores - vão para a porra - esbraveja sozinho ( e escondido) no banheiro. Imagina-se dono de uma quitanda perto da sua casa ou então vendendo churrasquinho ou ainda vivendo cantando de bar em bar - mas volta a sua realidade, a seu emprego real, aos seus desafios. Cada minuto parece uma eternidade. Tenta se distrair até chegar a hora do almoço mas essa ansiedade acorda a barriga que já o perturba - roncando sem parar -desde das onze horas. Ainda falta uma hora. Xinga a barriga pela maldita pressa. Cada ronco impedia a sua imaginação de levá-lo para outro lugar. Cada ronco denunciava sua atual situação. Cada ronco o torturava. Na hora do almoço, a marmita cheirosa é devorada em instantes. O resto do tempo ele reserva para cochilar um pouco e discutir sobre futebol. Não necessariamente nessa ordem. O resto do dia passa sem grandes preocupações e chega a sua mais esperada hora, o fim da jornada. Pega o caminho de volta, prefere voltar de ônibus e esquecer o trem. Toma uma pinga no botequim do ponto, que passa queimando,( lá se foi os R$2,40) e entra no ônibus que mais parece uma carroça de gente. Em pé, com calor, sem estações para contar. Condena sua preguiça mil vezes. Afoito para sentar, procura sempre alguém com a cara de que vai soltar no próximo ponto. Olha para uma velhinha que segura a bolsa, pensa: vai levantar!, espera ao lado dela e nada. Uma, duas, três, quatro pessoas sentam e a porra da velha não sai do lugar. Se condena mais mil vezes por ter escolhido o alvo errado. Como castigo a si mesmo reserva ali como o seu lugar até o destino: Ou a velha levanta ou vai em pé a viagem toda. E foi em pé a viagem toda. Se irrita porque o motorista deixa ele depois do ponto. Vai andando pra casa amaldiçoando o motorista ( e a velhinha é claro) até chegar ao seu portão. Recebe a mulher os filhos, janta, toma banho, assiste o Jornal, com alguns cochilos, e vê a novela com a mulher. A sua filha mais velha o aporrinha, mas ele ignora. Olha para o relógio e se põe a dormir. O imenso calor retarda um pouco o sono... o ventilador se mostra indefeso contra a grande temperatura. Suando, dorme aos poucos... pensando no amanhã que será igual ao ontem, que por sua vez foi igual a hoje - e sempre. TRIM, TRIM, TRIM - Toca o despertador: Perdeu o trem Japeri-Central Direto. Maldição - pensa.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Egito





"A propósito, alguns dos seus oficias de polícia mudarão seus uniformes e se juntarão ao povo"

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Rosea




ao regar uma rosa
uma única rosa
a cada dia
ansiosamente
para vê-la crescer.

As vezes com

........p
........i
,.......n
........g
........o
........s

d'água
outras vezes
......................de suor

outras
lágrimas
que vêm por um dia
melhor

esperando ansiosamente
vê-la crescer.

Uma
.........rosa
Uma única
.......rosa

que nasce no barro
que nasce no asfalto
na merda
ou no mato
na cabeça
ou no coração
daquele que já padeceu

que pisam
ou arrancam
que cospem
ou a ignoram
.........................-'não me pertube agora'
diz o homem de galhofa

única rosa
uma rosa

cor de sangue
feita de sangue
construida de sangue
na usina popular
da fumaça
com cheiro de vinho
estragado
tomando o céu do ano que virá

Para cada pétala
de cada uma única rosa
um sonho - uma quimera
de um outro lugar
de uma nova sociedade
de um novo mundo que virá

basta apenas
uma única
rosa.