Jaime pega mais um dia o trem das 6:27 na estação do Engenho de Dentro. À caminho da Central, vai esmagado e apertado, pelos seus irmãos trabalhadores. Todos indo ali, para um mesmo rumo. Apesar de ser cedo, o calor já atormenta. O longo sol, tão distante mas também tão perto, acalora o trem que vai chegando na estação do Méier. Para mais gente entrar. Menos uma - pensa - fazendo a contagem, como faz todos os dias, até chegar ao seu destino. A cada estação, menos uma. A cada estação o pensamento longe do trem. Para esquecer a dor nas pernas - que o seguram dedicadamente todos os dias - e também o calor que distribui pingos de suor pelo seu corpo. Poderia pegar o Direto, mas ele nunca consegue chegar no horário para ir até Madureira. Seu sonho sempre lhe trai. Porém ele enganava a si mesmo que a viagem direto seria mais chatas. Não haveria estações para contar, seria mais demorada. Pobre menino. Ao chegar na Central, doce destino, ainda há a amarga caminhada sob sol para economizar os luxuosos R$2,40. Mais uma coisa para ocupar sua mente e protegê-la no sol. -O que fazer com essa valiosa economia: Comprarei uma coca? Mas ainda preciso de 10 centavos... Comprarei uma cerveja? Mas ainda precisaria de 10 centavos... Comprarei um jornal? Ou não... as noticias estão caras... Juntarei para o fim de semana? Mas ainda é segunda-feira... Comprarei... ? - Jaime chega seu destino. Suado, cansado, e ainda nem começou o seu trabalho, a sua rotina. Pensa sempre em se demitir. Xingar o chefe, seus superiores - vão para a porra - esbraveja sozinho ( e escondido) no banheiro. Imagina-se dono de uma quitanda perto da sua casa ou então vendendo churrasquinho ou ainda vivendo cantando de bar em bar - mas volta a sua realidade, a seu emprego real, aos seus desafios. Cada minuto parece uma eternidade. Tenta se distrair até chegar a hora do almoço mas essa ansiedade acorda a barriga que já o perturba - roncando sem parar -desde das onze horas. Ainda falta uma hora. Xinga a barriga pela maldita pressa. Cada ronco impedia a sua imaginação de levá-lo para outro lugar. Cada ronco denunciava sua atual situação. Cada ronco o torturava. Na hora do almoço, a marmita cheirosa é devorada em instantes. O resto do tempo ele reserva para cochilar um pouco e discutir sobre futebol. Não necessariamente nessa ordem. O resto do dia passa sem grandes preocupações e chega a sua mais esperada hora, o fim da jornada. Pega o caminho de volta, prefere voltar de ônibus e esquecer o trem. Toma uma pinga no botequim do ponto, que passa queimando,( lá se foi os R$2,40) e entra no ônibus que mais parece uma carroça de gente. Em pé, com calor, sem estações para contar. Condena sua preguiça mil vezes. Afoito para sentar, procura sempre alguém com a cara de que vai soltar no próximo ponto. Olha para uma velhinha que segura a bolsa, pensa: vai levantar!, espera ao lado dela e nada. Uma, duas, três, quatro pessoas sentam e a porra da velha não sai do lugar. Se condena mais mil vezes por ter escolhido o alvo errado. Como castigo a si mesmo reserva ali como o seu lugar até o destino: Ou a velha levanta ou vai em pé a viagem toda. E foi em pé a viagem toda. Se irrita porque o motorista deixa ele depois do ponto. Vai andando pra casa amaldiçoando o motorista ( e a velhinha é claro) até chegar ao seu portão. Recebe a mulher os filhos, janta, toma banho, assiste o Jornal, com alguns cochilos, e vê a novela com a mulher. A sua filha mais velha o aporrinha, mas ele ignora. Olha para o relógio e se põe a dormir. O imenso calor retarda um pouco o sono... o ventilador se mostra indefeso contra a grande temperatura. Suando, dorme aos poucos... pensando no amanhã que será igual ao ontem, que por sua vez foi igual a hoje - e sempre. TRIM, TRIM, TRIM - Toca o despertador: Perdeu o trem Japeri-Central Direto. Maldição - pensa.
2 comentários:
BRAVO !!
Adorei! Clareza narrativa e domínio de tema.. Além de tocante!
PARABÉNS!
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