sábado, 2 de abril de 2011

Eles, os preguiçosos

Se eu soubesse como seria a vida adulta, não teria nenhuma pressa em crescer. Tenho saudades do tempo em que a minha única preocupação era não deixar o balão de gás hélio sair voando por aí, até perdê-lo de vista. Segurá-lo era a minha única e exclusiva preocupação. A minha ignorância era totalmente plausível e até, de certo modo, estimulada. O mundo inteiro cabia no meu quarto. Os gritos lá fora, na qual a janela alta não me deixava ver - somente escutar - não me pertubavam. Não via os jornais. Não lia as revistas. Só via as gravuras, que não me diziam muitas coisas. Se um homem morria, não me importava. Se um homem era preso, não ligava. Se alguem estragava sua vida com drogas - não existia crack na época - não entendia. No caminho da escola, pensava que os homens da rua ( que depois fui aprender que eram "de rua") estavam lá por opção. Um breve descanso na calçada. Talvez para se proteger do sol ou então de qualquer só pra passar o tempo. Só ficava triste quando o biscoito da merenda do dia era ruim. Não imaginava que existia gente no mundo que passava fome. Olha, com tanta comida na minha casa, por que faltaria na casa dos outros? As favelas, para mim tão distantes, eram lindas. Principalmente à noite, pois pareciam que as luzes daquelas casas eram as primeiras estrelas a inaugurarem no céu. Na verdade, eu não sabia o valor do dinheiro. Via até uma certa facilidade, de somente ir ao banco - a fila era o único obstáculo - e sacar o dinheiro para ser gasto. Achava que qualquer um poderia fazer isso e aqueles que ficavam lá fora - de novo os homens da rua - tinham preguiça em enfrentar as longas filhas. Igualmente os meninos que faziam malabarismo no sinal. Em vez de gastarem seu tempo na fila para pegar o dinheiro, preferiam ficar no curto tempo da luz vermelha para pedir. Por pura diversão eles passavam a tarde. Eu os inveja, pois enquanto eu era obrigado ir à escola, eles tinham todo o tempo disponível para brincar. Naquele tempo, acreditava na ressurreição dos mortos e na vida eterna. Porém, eu já achava que morava num paraíso e não precisaria mudar nada. Não entendia porque precisava morrer para ir ao paraíso. Os que reclamavam, eu os considerava preguiçosos. "Olha lá, os preguiçosos." E num piscar de olhos eu cresci e percebi: não era por preguiça. Só achei engraçado depois que muitos, mesmo com cabelos grisalhos, continuam esbravando como crianças: "aqueles vagabundos, aqueles preguiçosos." Parece que para estes, apesar da altura, ainda não conseguem enxergar pela janela de seus quartos e perceber o mundo lá fora e ver que tudo que essa gente quer é um pouco de dignidade. Não é muito. Só dignidade. 

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