quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Pavlos

contam a sua história de três em
três anos
de como entrou na escola de artes
de Atenas, de como ganhou bolsa
Depois outra bolsa
E de como foi à paris em 1958.

Na sua curta biografia
não registram o seu sofrimento.
Ou aquela vez em que perdeste
talvez por um motivo
banal.
Ou qualquer outro plano desperdiçado.

À primeira vista,
não conseguem explicar
 - em poucas linhas -
como um homem
sem tantos fracassos
Pode fazer esse quadro:

do guarda roupas IV


segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A solidão é uma dor 
que acostuma 

pior é ser jogado 
de
     um
           penhasco 
E estar em constante queda 
com o pavor da chegada ao solo

A solidão ao menos é sólida em sua dor

dizem que é melhor estar só 
do que mal acompanhado
pois é
a má companhia é
exatamente 
essa que - sem dó -
te empurra.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

rebouças

Você diz que não há túneis como o Rebouças em Recife.
E quando você me mostra "isso é um túnel lá em recife" 
 eu rio
Porque para mim é apenas uma sombra.

Como viver numa cidade sem túneis? Que na infância me instigava aventura e hoje é apenas mais uma travessia (mas tão presente) que impede de ouvir minha música preferida.

Olha, Nelson dizia que sentia saudade do Rio quando atravessava o Rebouças, pela serra dividir uma cidade tão distinta, que quando atravessamos parece que estamos em outro lugar.

Olha, eu tenho saudades de você quando atravesso o Rebouças, pela lembrança da luz amarela no seu rosto ao meu lado 

e

por me fazer acreditar que de um ponto ao outro dessa cidade -mesmo com morros, serras e túneis - não deve existir tanta desigualdade.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

de repente, o amor

Não há solenidades
em nossos atos.

terminou
maio
e você
disse
"eu te amo."

e a ansiedade de
dividir a mesma cama
é tamanha
que mesmo sem espaço
a gente não reclama.

porque não gostamos da distância,
nem precisamos dela
para provocar saudade

(ter você ao meu lado
já virou necessidade)




sábado, 12 de julho de 2014

dedicado a todos os amantes mortos em combate

tem gente que escolheu
por não morrer
apenas amar

só a ternura 
do amor
é capaz de fazer
nos entregar
desse jeito

para desconhecidos

que sofrem e passam fome

(que outros reagem
com indiferença
ou resignação.)

eles apenas amaram
e com suas armas
carregadas de munição
também carregavam bombas de esperança

que nem o pau de arara
ou o choque elétrico
conseguiram desarmar

tem gente que escolheu por não morrer
e permanecem presentes

pois sempre tiveram a certeza
de que a vida não acaba em si mesma

E da história receberam uma única sentença: estarem condenados perseverar, para sempre. 

previsões sobre a morte

senta-se ao meu lado uma velha senhora. Inquieta, pede licença e interrompe a minha leitura. Se era importante ou não o que eu estava lendo, apesar de perguntar por mero formalismo, não lhe importava. Estava preocupada. Ligava repetida vezes para sua amiga, mas sempre caía no abismo da caixa postal. Sem resposta, pergunta-me: O que pode ser isso? Roubada, linha cortada, viajando. Dei as minhas possibilidades. Ela não tinha pensado em nenhuma dessa. Apenas uma: a morte. A doce evidencia da morte se apresentava para ela com naturalidade, comum a sua senilidade. Calei-me por um instante e respondi que o celular não pararia de funcionar por conta do falecimento do seu dono. Mesmo assim, não lhe convenci. Deve ter morrido, refletiu novamente. Apertou o botão e desceu no ponto seguinte. Não se despediu. Foi com a tranquilidade de quem sabe que não se nasce para morrer. De quem sabe que a morte não lhe dá tempo para se despedir

quinta-feira, 22 de maio de 2014

doméstica





abdicas sua vida
à família alheia

amor subordinado
e remunerado

para cuidar de filhos
que não são seus
para cuidar da casa
que não é sua
para ter cuidado
com aquilo que não lhe pertence

renuncias ao seu lar
em troca de um quartinho
apertado
(que talvez
tenha janela)

come o resto
que sobrou na panela

Quem é ela?

Do que vive essa criatura?

se ao menos pudesse ler Faustino
para amenizar essa vida dura:

'tanta violência,
mas também tanta ternura'

domingo, 4 de maio de 2014

samba

'os melhores sambas
são sempre tristes'
você me dizia

e se pudéssemos
fazer um samba
como seria?

se a infelicidade não combina
com nossa companhia




quinta-feira, 24 de abril de 2014



depois daquele beijo que nos separou

eu de um lado:
Consolação

você de outro:
Paulista

restabelecemos a forma
usual dos paulistanos:
a solidão

e com ela tentamos fazer um filme
com fragmentos de tantos outros,
mas faltam os vinte quatro quadros
no mesmo segundo
para nos por em movimento
e alguém lá no fundo gritar
"AÇÃO"

para podermos atuar
nas ruas dessa cidade
- que nos lembra tantas outras -
e fugir como clandestinos de um amor subversivo
encontrando nos prédios
do século passado
um refúgio num tempo
que não é nosso

(e nesse momento sua preguiça
nem se lembra
que eles não tem elevadores)


terça-feira, 22 de abril de 2014

sabe,
inevitavelmente,
um dia você me odiará

e eu só quero que você se lembre:
que eu confio
e acredito
em você.

mesmo que talvez, eu
desconfie
(como naquele dia que você me disse que seria possível, mas eu não confiei.)
ou então
desacredite
(como naquele momento em você me disse para acreditar, mas eu não acreditei)

sabe,
a culpa será minha,
mas
mesmo assim,
não ligaria do seu ódio por mim.

porque qualquer sentimento
é melhor que sua indiferença

e ser percebido por você
(seja bom ou ruim)
é importante pra mim

sabe,
dizem que dar presentes é uma forma de criar vínculos.

.
....................................................................................e esse é o meu presente
.
.
pra você.



sexta-feira, 7 de março de 2014

anotações

a distância nos assegura
que não iremos nos machucar
nem despencar num abismo qualquer

porque;
hoje;
se quer;
amanha;
talvez não;

e não é necessária nenhuma obrigação
para ter
sua companhia

porque eu sei:
você prefere ficar sozinha

nisso não vejo nenhum problema

ao menos
me rende
mais um poema

sábado, 8 de fevereiro de 2014

um poema para você viver

falamos por meio de poesia
e mesmo eu não sabendo
o que queria
você me dizia:

(por meio de versos)

"José, querido,
o mundo é
tão perverso
que não podemos desistir."
E logo depois desistíamos
sem ter pra onde ir.

A solidão -
companheira inseparável -
nos pega numa tarde qualquer
de qualquer lugar do Brasil
e nos mostra a perversidade

(que tanto nos diziam que
existia
sem nunca tê-la contemplada
de frente
tão evidente)

sem poder imaginar
que sob esse céu azul sem nuvem
pudesse existir tanta fome.