domingo, 19 de novembro de 2017


já perceberam que os jogadores de hóquei no gelo continuam a brigar pelo disco mesmo estando atrás do gol? a impossibilidade, imposta pela geometria, de marcar o ponto de maneira imediata não os desanima. E brigam (como brigam) pelo disco. Tem coisas que só o frio explica.

já repararam que mesmo sendo mais difícil, as pessoas - depois da parada repentina - continuam a descer a escada rolante ainda que esteja parada? O que os move? A esperança de voltar o movimento e evitar qualquer tipo de fadiga?

não há pergunta mais covarde do que indagar sobre a sua felicidade: você é feliz? você está feliz? ninguém é feliz quando reflete sobre a sua própria felicidade.

um dia eu vi a chuva chegar até mim. Como um oásis ao contrário, chovia em todo o canto, menos em mim. Deu ainda para - os mais próximos - observarem a chuva chegar e correrem para um abrigo. Eu simplesmente deixava os pingos caírem. Por certo, eles molhavam, mas era como eu não me incomodasse com isso.

qual deve ser a sensação do mosquito num curto espaço de tempo - enquanto ele suga o seu sangue - ao passo que a mão corre para espremê-lo. Certamente, não deve sentir dor. O mais estranho - sem dúvidas - é matar um bicho e ver que, no final das contas, o que sai daquele exoesqueleto é o seu próprio sangue.

domingo, 30 de julho de 2017

a arte observa a morte





nas galerias - a regra - é a vida observar a arte pregada na parede

mas existe sempre a exceção
que surge de forma inesperada 
e inverte a lógica: 
a arte observa a morte no chão 

Todos falam a regra. Ninguém diz a exceção. Ela não é dita, é escrita: Flaubert, Dostóievski. É composta: Vivaldi, Mozart. É pintada: Cézanne, Vermeer. É filmada: Antonioni, Godard. Ou é vivida, e se torna a arte de viver: Aleppo, Raqqa, Ancara. 

A regra quer a morte da exceção.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Anoitecera e ela se viu cansada. Só percebera isso por conta do café frio e daí a curiosidade de olhar pela cortina da janela e enxergar a escuridão. O seu ambiente de trabalho não proporcionava muitas distrações, tampouco contemplar o céu. A faxina no Edifício Le Corbusier era intensa pela quantidade de escritórios. Ela ficava responsável por três andares. Quando chegava no terceiro, já era tempo de retomar o primeiro. Assim até acabar o dia.  Na hora do almoço, esquentava sua marmita de plástico no microondas e comia sem muita empolgação. O restante do tempo preparava e servia o café aos demais funcionários do prédio. Sentia-se útil assim. Anoitecera e um dia de vida estava prestes a acabar. Saía do Le Corbusier uma única vez durante o serviço: o momento de colocar o lixo na rua. Aqueles que a observavam da calçada, correndo e rindo com sacos de lixo, não conseguiriam compreender aquele gesto. Durante o dia inteiro, interagindo com centenas de pessoas, permanecia em silêncio, dizendo apenas palavras protocolares. Contudo, no momento em que corria com os sacos de lixos, permitia-se gritar e rir. Era impossível conter a felicidade de quem tinha um dia a menos para viver. Amanhã o dia virá novamente - inexorável - mas ela sabe que a noite há de tingir o céu e os sacos de lixo estarão ali para lhe proporcionar um minuto de euforia ou talvez este seja o sabor da liberdade. 

sábado, 14 de janeiro de 2017

defenestração






















não existe
palavra mais inútil
que essa



mas foi assim que
decidiu morrer
ana cristina cesar



mas foi assim que, em praga,
começaram uma guerra



com uma palavra
tão inútil como essa